De(s)colonize seu design e sua mentalidade

Anna Borges | @aztecadesign | 7 setembro, 2022



O conceito de colonização está bastante presente na nossa sociedade, principalmente quando rememoramos datas cíveis ou marcos históricos, como o 22 de Abril de 1500 ou o 7 de setembro de 1822. Este último, em particular, nos remete mais à nossa independência política do que nossa independência colonial.
Antes de falarmos de design, é importante fazer uma rápida abordagem histórica.
O colonialismo se manifestou de maneiras diferentes ao redor do mundo, nas quais a expansão de determinados povos se deu sobre a ocupação e povoamento de novas regiões. Colonizar está associado a conquistar uma determinada área e dominar uma cultura preexistente por meio da imposição de uma outra, dita “superior”.
No caso da América Latina, e aqui incluímos Brasil, o processo colonizador promovido pela Europa, no século XVI, foi consolidado por uma conjuntura de relações de dependência e controle político, econômico e sociocultural, ao longo de três séculos. Portanto, é bastante louvável celebrarmos um processo de descolonização, se tivemos alcançado uma independência real. Uma vez libertos de Portugal, aos gritos do novo imperador, caímos num neocolonialismo, movido pelo imperialismo inglês e depois norte-americano.
O colonialismo pós-independência deu lugar ao que se denominou de “colonialidade”, ou seja, a perpetuação das ideias eurocêntricas, que estão enraizadas nas experiências de opressão dos povos indígenas e africanos, para a incorporação de uma mentalidade ocidental nas sociedades latino-americanas. Uma emancipação sem libertação!
Em razão disso, alguns autores defendem a existência de uma “colonialidade do poder”, que submete os dominados/colonizados a uma situação de inferioridade; uma “colonialidade do saber”, com o desenvolvimento de um padrão de conhecimento global, hegemônico, superior e naturalizado; e uma “colonialidade do ser”, que marginaliza os indivíduos por sua raça, etnia, gênero ou sexualidade, negando sua condição como pessoa humana.
Diante desse contexto, entendemos que o termo descolonização está relacionado ao evento histórico das independências políticas, sobre o fim de um domínio territorial. Enquanto a decolonialidade diz respeito ao enfrentamento dos processos culturais de dominação e opressão: ideias, conceitos, visões de mundo. É sobre superar os modelos universais e mudar a maneira como pensamos.
Por isso o pensamento decolonial está presente hoje em diferentes áreas das Ciências Sociais e Humanas: História, Sociologia, Arquitetura, Artes, Design… É uma mentalidade que questiona a imposição de um único mundo possível (lógica da modernidade capitalista) e se abre para uma pluralidade de vozes e caminhos. Questionar o que está posto e se colocar a disposição de novos saberes e outros olhares.

E o que significa, então, de(s)colonizar o design?
Se a decolonização é uma crítica ao eurocentrismo e ao modernismo, parte fundamental desse processo é descentralizar ideias e reconhecer a diversidade de pensamento. Isso tem impacto diretamente sobre a forma como aprendemos e perpetuamos determinadas visões de design ou, mais especificamente, do que seria o “bom design”.
O escritor e historiador de arte Rafael Cardoso, ao publicar seu livro “Design para um mundo complexo” coloca em xeque o mantra mais conhecido entre os designers, de que “a forma segue a função”. Esse pensamento sobre o design surgiu ainda na fase de industrialização e ganhou força com a escola de arte alemã Bauhaus, nos anos 1920-30. No âmbito internacional, essa premissa começou a ser questionada na década de 1960, pela Escola de Uhm, mas ainda tem seguidores fieis nos dias de hoje.

“Não existem receitas formais capazes de equacionar os desafios da atualidade. Não são determinados esquemas de cores e fontes, proporções e diagramas, e muito menos encantações como “a forma segue a função”, que resolverão os imensos desafios do mundo complexos em que estamos inseridos.”
(Rafael Cardoso)

Em outras palavras, não existem respostas prontas quando falamos de design. É tudo sobre contexto e questionamentos. Se você tem uma resposta pronta e delimitada para diferentes cenários, certamente não fez as perguntas certas. É como vestir uma roupa que não lhe cabe… e aqui não nos referimos somente a estilo. Contextos diferentes pedem soluções diferentes! Nem sempre precisamos de resultados simples e objetivos para um mundo multicultural e diverso.
A ideia de um design decolonial passa por esse esforço de repensar velhos conceitos, buscar novas respostas e outras mentalidades. Ou, ao menos, reformular as perguntas de modo mais dinâmico e eficaz, para chegar em níveis mais profundos de entendimento. Aprofundar a análise do problema ou de um desafio de design, antes de propor soluções funcionais, ainda é o melhor caminho de validar uma boa estratégia de criação.

“Projetar soluções para um mundo complexo passa por aceitar a complexidade como precondição em vez de combatê-la”
(Rafael Cardoso)

Nos últimos anos, esse debate tem crescido, porém, ainda limitado ao meio acadêmico. Há pouca informação acessível sobre esse tema. Uma das referências que buscamos para este artigo foi a plataforma Decolonising Design, um espaço para designers e pesquisadores interessados ​​em trabalhar fora dos limites da esfera anglo-europeia, ou como eles mesmos se definem, “à margem do discurso dominante”.
Mas, se você leu até aqui, deve estar se perguntando:

Como podemos projetar a partir de uma mudança de mentalidade?
É inegável que nosso trabalho como profissionais carrega muito das referências que cultivamos ao longo do tempo, ou para onde nosso olhar é direcionado no momento da criação. Inevitavelmente, olhamos mais para fora quando deveríamos olhar para dentro.
Partindo deste ponto, e refletindo sobre o mercado em que atuamos, fomos colocados em um ciclo de reprodução e dependência do que nos é imposto. Tomamos o design funcional, minimalista, limpo e elegante como uma “verdade absoluta”. Isso faz com que trabalhos autorais e menos industriais – que fujam desse padrão colonizador – sejam vistos como algo excêntrico, experimental ou de pouco valor.
Nossa dependência da cultura anglo-europeia inibe nossa capacidade de incorporar outros olhares e padrões visuais, que podem vir de referenciais latinas, africanas ou asiáticas. Ou simplesmente de algo artesanal, da arte popular, do vernacular ou das culturas indígenas. O design é muito maior e mais dinâmico do que qualquer manifestação pré-estabelecida. Perceber que os padrões que nos ensinaram não são universais é a chave para a decolonialidade. Mas romper com essa estrutura nem sempre é um caminho fácil.
A de(s)colonização implica uma mudança fundamental na forma de pensar e fazer design: faz um apelo, inevitável, a uma prática mais inclusiva, igualitária e humana. Esse trabalho pode começar, por exemplo, com uma mudança de postura, repensando as necessidades do público para o qual estamos projetando. Ou ainda buscar ampliar seu repertório e definir um caminho com o qual você se reconheça enquanto profissional.

Aqui na Azteca, nosso alinhamento é com o valor cultural que buscamos agregar em cada projeto. Entendemos e valorizamos o design como uma poderosa ferramenta de transformação, que influencia o comportamento dos indivíduos e da sociedade. Acreditamos que “o design produz culturas e a cultura produz design”.

Em última análise, é preciso compreender toda mudança como um processo. O fato de ser uma jornada significa que, para continuar evoluindo, devemos nos manter continuamente curiosos e nos educar sobre questões maiores, como representação, racismo e inclusão, contextos que devemos ter em mente enquanto criamos para projetar futuros melhores.
Existem diferentes maneiras de ver o mundo e podemos fazer da pluralidade o verdadeiro grito de independência para de(s)colonizar o design!
Nós abraçamos esse movimento!






#designcultural
#designestrategico



Para Saber Mais
Não pretendemos esgotar a  complexidade do tema a este artigo, que tem caráter introdutório.
Se você se interessou pelo assunto, não deixe de acessar nossas indicações:

Decolonising Design – Manifesto



Referências
CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Ubu Editora, 2016.
KHANDWALA, Anoushka. What Does It Mean to Decolonize Design? AIGA Eye on Design, jun. 2019.
QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005.


Imagem de capa: Amazônia, por Tito Ferrara (Soho Panel, NYC, 2019). Foto de Leo Kwan ©Unsplash.

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