Cultura & Marca: da identidade à construção de valor

Anna Borges |  @azteca.studio | 30 janeiro, 2024



Pensar as relações possíveis entre cultura e construção de marca é uma temática que pode ser explorada de diferentes maneiras, por isso vamos dividi-la em duas partes, para trazer conceitos e abordagens, considerando alguns níveis de aprofundamento. 
Neste primeiro momento, vamos abordar os níveis mais comuns quando se pensa nessa conexão entre cultura e marca. Se você trabalha com design ou branding, provavelmente já se valeu de referenciais culturais na criação de uma marca. Se você possui uma marca, em algum momento pode ter se questionado sobre os valores que sua marca defende.

Mas antes de partirmos para o contexto, vamos definir o que entendemos por Cultura?

Os conceitos de cultura são múltiplos e, às vezes, contraditórios. Não há um consenso nem mesmo entre os antropólogos, embora haja pontos de concordância. A raiz latina da palavra cultura é colere, que significa desde cultivar e habitar a adorar e proteger. O significado mais simples desse termo afirma que cultura abrange todas as realizações materiais e os aspectos espirituais de um povo. 
Em um sentido amplo, refere-se ao conjunto de valores, crenças, normas, comportamentos e símbolos compartilhados por um grupo de pessoas em uma sociedade ou organização. Se pensarmos em diferentes países vamos identificar diferentes culturas. Ela molda a forma como as pessoas percebem o mundo ao seu redor, influencia suas ações e constrói uma identidade social e cotidiana. Para haver cultura é preciso existir uma consciência coletiva.
Outro sentido muito comum atribuído à palavra cultura é aquele que a define como produção artística e intelectual. Assim, podemos falar de cultura erudita, cultura popular, cultura de massa etc. Ao longo do século XX, especialmente a partir da metade do século, houve uma expansão do conceito de cultura material para incluir não apenas a produção, mas também o consumo. A cultura, nesse sentido, é moldada por escolhas individuais e pelo seu uso como forma de construção de identidade. 
No contexto do Branding, a ideia de cultura também assume diferentes significados. Refere-se tanto a aspectos externos, que podem definir a personalidade de uma marca, quanto a aspectos internos, que reforçam um conjunto de valores, crenças, comportamentos e práticas compartilhadas. É um elemento significativo para a construção e sustentação de uma marca, que permeia desde sua identidade até suas interações com os consumidores, contribuindo para a diferenciação e construção de reputação.

Cultura como identidade
Esse talvez seja o aspecto mais visível da relação entre cultura e marca, aquele que está na primeira camada da expressão visual ou verbal. A cultura como identidade envolve a expressão da personalidade da marca, inspirada por meio de diferentes elementos: história, ritos, símbolos e linguagem. 
A identidade de uma marca fundamentada na cultura reflete quem a empresa é, quais as suas crenças e como ela se posiciona no mundo. Ela cria uma narrativa única que diferencia a marca no mercado, gerando uma conexão emocional com os consumidores. Não é difícil pensar em marcas que incorporam códigos culturais em seus produtos, serviços ou até mesmo no modelo de gestão. 
A Havaianas é um exemplo de como a cultura brasileira foi amplamente utilizada pela marca para reforçar a informalidade, o jeitinho, a criatividade e o espírito festivo e carnavalesco, presentes na praticidade e casualidade do produto, na expressividade das cores e estampas, na linguagem verbal e nas campanhas publicitárias. Impossível não olhar e reconhecê-la como um ícone de brasilidade: todo mundo usa! Essa abordagem cria uma conexão emocional com os consumidores e fortalece os laços da marca com sua origem cultural, posicionando a Havaianas como uma representante autêntica do estilo de vida brasileiro. Não por acaso foi considerada a marca que mais representa o Brasil, dentro e fora do país, eleita pelos brasileiros em recente estudo realizado pela Agência Ana Couto.


Cultura como Valor
Mas uma marca vai muito além da sua expressão visual. Ela é definida pelos valores compartilhados e defendidos a partir de um propósito. A cultura como valor de marca representa sua verdade, os princípios orientadores que guiam a empresa em suas ações. Esses valores não apenas moldam as atitudes e decisões, mas também transmitem uma mensagem clara ao mercado sobre a integridade e as prioridades da marca. 
Ainda citando o case da Havaianas, a marca nem sempre carregou esse espírito cultural brasileiro. Entre as décadas de 1960 e 1990, o produto não tinha nenhum diferencial expressivo, a marca acabou perdendo o prestígio e virou commodity. Esses valores foram sendo construídos a partir do reposicionamento da marca realizado em 1994. Se o propósito de Havaianas era ser vista como símbolo de brasilidade, ela também precisava partilhar valores de flexibilidade, diversidade e alegria. A marca passou a ter identidade e autenticidade, representando o brasileiro e sua irreverência. Se tornou acessível e democrática, com uma expressão simpática, próxima e um jeito próprio de se comunicar. Os consumidores passaram a desejar e se conectar com a maneira de ser da marca.
Os valores formam as premissas e a essência de uma marca, influenciam decisões de compra do consumidor, construindo uma reputação sólida ao longo do tempo. Isso porque, cada vez mais, as pessoas compram de uma marca cujos valores estejam alinhados com os seus. A questão é que muitas vezes esses valores são abstratos ou esvaziados de sentido. Não basta apenas desejar ser... É preciso vivenciar a cultura que se deseja!
"Os valores de uma marca precisam focar em comportamentos, não apenas aspirações. Termos como inovação, integridade e qualidade podem significar várias coisas em diferentes culturas corporativas. O segredo está em saber operacionalizar essas palavras, traduzir cada uma delas em ações esperadas e recompensadas." (Cristiane Thiel)
Como gerar um valor consciente?
Pensar a relação da cultura no contexto das marcas nos leva, inevitavelmente, ao aspecto de sua apropriação como um bem de consumo. Ao construir significados em torno de produtos, influenciar estilos de vida, impulsionar tendências e promover valores culturais, as marcas não apenas respondem à cultura material existente, mas também contribuem para sua transformação, moldando como as narrativas e significados associados a esses produtos são percebidos e consumidos na sociedade.
Em seus estudos sobre a modernidade líquida, o sociólogo Zygmunt Bauman critica a forma como a cultura passou a ser utilizada para atrair e seduzir, estabelecer estímulos, em produzir novos desejos de consumo, que servem como símbolos transitórios de status e identidade, perdendo rapidamente seu significado à medida que novas tendências surgem. Isso contribui para uma cultura superficial e efêmera.
O branding desempenha um papel fundamental nesse contexto. A forma como as marcas se posicionam pode ser percebida tanto de maneira positiva quanto negativa, dependendo de diversos fatores e da autenticidade das práticas de mercado. Quando essas ações são éticas, autênticas e alinhadas com valores positivos, a influência da cultura da marca pode ser construtiva e enriquecedora. No entanto, quando há falta de transparência, padronização ou apropriação cultural, ou ainda promoção de comportamentos de consumismo excessivo, incentivando a compra impulsiva, os impactos podem ser extremamente negativos. 
É cada vez mais vital que as marcas assumam esse compromisso social com práticas éticas e responsáveis para a construção de valores mais conscientes e sustentáveis, se tornando, assim, agentes positivos de mudança na sociedade. Como alinhar esse posicionamento é o que vamos abordar na segunda parte. 
Até lá!

Transformar negócios de impacto em marcas conscientes é o nosso movimento!





#culturademarca #identidade #valordemarca #marcasconscientes  #culturaorganizacional







Referências
Cultura & Marca: Alinhando Branding e Cultura Organizacional. Cristiane Thiel. Ebook Amazon, 2022.
Branding Brasil. O valor que o país gera. Agência Ana Couto, 2022.
A ideia de cultura. Terry Eagleton. Editora Unesp, 2011.
A cultura no mundo líquido moderno. Zygmunt Bauman. Zahar, 2013.


Imagem de capa: Campanha Havaianas Festival de Cannes 2005: Explosão de tropicalidade​​​​​​​.

Outros Artigos

Back to Top